quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Pomba-Gira

No início do mês postei o meu desacordo com o Acordo Ortográfico, e falei das expressões regionais que nunca poderão ser iguais, visto fazerem parte da identidade de cada povo. Expliquei que é isso que faz a diferença entre o português falado no Brasil e o português de Portugal, e não uma meia dúzia de palavras escritas de forma diferente.
Sábado passado estive a apresentar uma comunicação no Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde, em Faro, no Algarve, e vi uma cena caricata e engraçada que não podia deixar de relatar aqui, visto ilustrar perfeitamente o que eu disse anteriormente.
Estava um grupo de meninas pertencentes à organização do congresso (aquelas pessoas que apoiam o funcionamento de cada mesa, ligam os computadores, verificam se está tudo a correr bem) sentado num dos corredores de acesso às salas, quando o coordenador de uma das mesas aproximou-se delas.
Era um senhor brasileiro com os seus 50 e tal anos, bastante simpático, que foi prontamente aclamado por todas as meninas com muito entusiasmo (uma delas até, em tom de acolhimento, cantou: “olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”). Ele, não querendo ficar para trás nos elogios, retrucou: “Aqui estão as minhas belas periquitinhas!”
Elas estavam visivelmente divertidas com a conversa e, para ajudar à festa, começaram a dizer que eram umas pombinhas. Visto o assunto caminhar para o quesito “beleza”, completaram: “somos umas pombinhas giras” (para quem não está familiarizado com a palavra, gira, em Portugal, significa bonita). O brasileiro sai-se, então, com a seguinte frase: “Pombas-Giras, não! Deus me livre!” – e afastou-se lentamente do grupo.
É que Pomba-Gira, no Brasil, é um Exu-Fémea (espírito que se incorpora nos médiuns, uma entidade que trabalha na Umbanda). A Umbanda é uma crença formada dentro da cultura religiosa brasileira, que reúne vários elementos, inclusive de outras religiões como o catolicismo, o espiritismo e religiões afro-brasileiras.
Para o grupo todo, ficou um mal-entendido ou um não-entendido, que levaria algum tempo para ser explicado. Elas ficaram sem perceber o “Deus me livre” do senhor... e ele, certamente, não entendeu o “Pombas-Giras” proferido pelas raparigas.
Para mim, que assistia a cena de fora, foi uma situação interessantíssima. Simplesmente demais!
Acham que dá para uniformizar isso? Impossível! E viva a diferença!

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