domingo, 1 de março de 2009

Malba Tahan

Remexendo as minhas memórias de infância, lembrei-me do tempo em que vivemos no Recife, lá pelos meus 12 anos. A nossa casa tinha uma grande biblioteca, que cobria três paredes (do chão ao teto) do escritório do meu pai, onde eu costumava passar horas e horas a “devorar” livros.
Havia uma colecção de capa dura, da qual nunca me esquecerei. Eram livros de Malba Tahan, pseudónimo de Júlio César de Melo e Sousa, que nasceu no Rio de Janeiro, a 6 de Maio de 1895, e faleceu no Recife, a 18 de Junho de 1974.
Além de escritor, Júlio César (ou Malba Tahan) foi também matemático. O livro dele que mais me marcou foi O Homem que Calculava, um romance premiado pela Academia Brasileira de Letras, que já ultrapassou a 45ª edição, vendeu mais de dois milhões de exemplares, e foi traduzido para o alemão, inglês (nos Estados Unidos e na Inglaterra), italiano, espanhol e catalão, sendo indicado como livro paradidáctico em vários países, citado pela Revista Book Report, e em várias publicações do género. Narra as aventuras e proezas matemáticas de um calculista persa na Bagdad do século XIII.
É engraçado como, muitas vezes, o presente não é um preditor linear do futuro. Se assim o fosse, poder-se-ia dizer que Júlio César nunca seria escritor, e muito menos matemático.
Ora vejamos, aos dez anos de idade, foi enviado pelo pai ao Rio de Janeiro (a família residia em Queluz, interior de São Paulo), onde se deveria preparar para o Colégio Militar. Coube ao seu irmão, João Batista, por ser o mais velho, a tarefa de o orientar e, mais que isso, fazê-lo estudar. Preocupado, João Batista escreveu certa vez ao pai, informando sobre o irmão:
– Não sei como o Julinho se vai sair no exame: escreve mal, e é uma negação a matemática.
Contrariando as previsões pessimistas do irmão, Júlio César ingressou no Colégio Militar em 1906, e ali permaneceu até 1909, quando se transferiu para o Colégio Pedro II, onde não foi um bom aluno a matemática, chegando a tirar um dois (em 10 valores) a álgebra, e cinco numa prova de aritmética. Criticava veementemente a didáctica da época, que classificava como um "detestável método de salivação".
Vocacionado para o magistério, concluiu o curso de professor primário na Escola Normal do Rio de Janeiro e, depois, diplomou-se em Engenharia Civil pela Escola Politécnica, em 1913.
Iniciou as suas actividades profissionais como servente e auxiliar interino da Biblioteca Nacional, privilegiada oportunidade de conviver com milhares de livros. A sua carreira de professor começou nas turmas suplementares do Externato do Colégio Pedro II. Depois, assumiu a docência na Escola Normal, leccionou para menores carentes, e tornou-se catedrático do Colégio Pedro II, do Instituto de Educação, da Escola Normal da Universidade do Brasil e da Faculdade Nacional de Educação, onde recebeu o título de Prof. Emérito.
Nas aulas, trabalhava com estudo dirigido, manipulação de objectos e propôs a criação de laboratórios de matemática em todas as escolas.
Em 1919, depois de tentar inutilmente publicar alguns artigos seus no jornal O Imparcial, onde trabalhava, Júlio César convenceu o editor a publicar os artigos de um certo R. S. Slade que, segundo ele, estava fazendo enorme sucesso nos Estados Unidos. O primeiro de todos os artigos publicados com o pseudónimo R. S. Slade foi A vingança do Judeu.
Entre 1918 e 1925, Júlio César estudou árabe, leu o Talmude e o Corão, estudou História e Geografia do Oriente e, combinado com Irineu Marinho, do jornal A Noite, inventou o personagem Ali Iezid Izz-Eduim Ibn Salim Hank Malba Tahan, tendo inclusive criado uma biografia para ele. O personagem fictício, que assinaria os seus livros a partir dali, nasceu em 1885 na Arábia Saudita, e bastante jovem foi prefeito de El Medina. Com a herança do pai, Tahan ficou riquíssimo e viajou por vários países como a Rússia, a Índia e o Japão, morrendo em 1921, na luta pela libertação de uma tribo na Arábia Central. Para maior verosimilhança foi criado também um "tradutor" para a obra de Tahan, o professor Breno de Alencar Bianco. O jornal começou a publicação dos Contos de Malba Tahan, com a biografia do suposto autor.
O nome Tahan foi tirado do sobrenome de uma de suas alunas (Maria Zachsuk Tahan) e significa moleiro. O nome Malba significaria oásis. A mudança de nome tornou-o tão famoso que o presidente Getúlio Vargas o autorizou a usar o nome Malba Tahan na sua cédula de identidade.
Júlio César só saiu do Brasil para visitar Lisboa, Montevideu e Buenos Aires. Jamais esteve no Oriente. Nunca viu um deserto.
Com o pseudónimo de Malba Tahan, e com o seu nome verdadeiro, publicou cerca de 120 livros. Sua obra é bastante diversificada: trata de matemática, didáctica, romance, contos orientais, contos infantis, teatro, contos morais-religiosos, temas brasileiros etc. Segundo a sua biografia, o seu livro preferido era A Sombra do Arco-Íris, mas eu recomendo a leitura de todos!